quarta-feira, 27 de abril de 2011

Então vai

        Confesso que quando você me olhou com esses malditos olhos verdes pra dizer que tava me deixando eu pensei em tudo.  Mas fazer o que? Você quis ir... E você sorria. Precisava ir assim, como se não tivesse fazendo nada? Como se eu não tivesse me desmanchando? Você abortou prematuramente a parte sua que vivia em mim, e eu fiquei aqui, no escuro e asfixiado. Mas foi você quem quis ir.
         Agora pára de tocar minha campainha, foi você quem quis ir. Eu gosto dos seus olhos verdes e posso até fazer um blues pra eles amanhã, mas hoje eu não quero que fiquem aqui pedindo esmola na minha porta. Então vai, entra logo e pega a sacola que você diz que esqueceu, mas não demora pra sair. Foi você quem quis ir.
        Não deixa o cara lá embaixo buzinar outra vez, ele te espera cheio de esperanças, como eu esperava há um tempo.  Agora vai e faça-lhe as mesmas promessas. Ele também está deslumbrado com a perfeição dos seus olhos. Vai que o que você tem pra me oferecer é muito pequeno.
        Baby eu já vi esse filme, agora arruma a fivelinha que livra teus olhos verdes da franja morena e vai que eu tenho pressa. Vai, que foi você quem quis ir.

Valsa


        Ela pegou o primeiro bonde depois das cinco da tarde. E vinha tranqüila como em qualquer outro dia. Quando ele entrou no mesmo bonde. Quem era? Não conhecia. Era bonito. Melhor, era bonito e a olhava. Olhava-a de uma maneira sutil que a deixava sem jeito. Ela tentava se esconder atrás da franja dourada. Talvez fosse impressão... Não era.
        Era ela o foco do zoom daquele olhar bonito. Era ela e a sua insegurança o que havia de mais superior e interessante naquela hora. Era ela. Riu timidamente e foi terrivelmente traída pelo rubor febril das faces que denunciavam seu estado de vergonha e êxtase. Agora ela já não pensava nos problemas, planos ou em qualquer outra coisa que subira no bonde com ela. Fez-se desarmada.
        Era incrível como aquilo a possuía de uma maneira completa. Como ela parecia ter perdido os sentidos. Ele continuava olhando. Ela gostava daquilo. Pensou em falar com ele, perguntar-lhe  o nome. Não o fez.
        Passaram alguns minutos e ele desceu duas paradas à frente.  Ela continuava em deslumbre e nem percebera que muito provavelmente não mais o veria. Não importava. Desceu na sua parada e a noite seguiu em paz.

Posso ficar hoje?

       
        Eu te deixei passar, mas agora eu to aqui pra passar um pouquinho contigo. Será que eu posso ficar e dar minha opinião sobre as cortinas novas? Posso abrir a janela pra entrar alguma luz? Se você quiser, eu posso cozinhar aquele macarrão que você gosta, enquanto você me fala como foi a semana. Ou não diz, você quem sabe. Eu só quero ficar um pouco.
        Eu posso te indicar um livro, você pode me mostrar uma música. Você promete que desfaz essa cara de medo se eu parar de te olhar com a minha de boba? Você tenta se desarmar e relaxar se eu te contar a versão nova de uma velha história?
        Eu não vou prometer nada, não explica nada. Só me deixa ficar aqui. Eu não sei de amanhã e, certamente, nem vou estar mais por aqui, mas hoje eu vou vestir sua velha camisa dos Beatles que até já tem o cheiro do meu corpo e vou espalhar esse cheiro por toda a sua sala.
        Hoje eu acredito em tudo que você me disser. Hoje eu não vou ligar se você quase me machucar com a barba mal feita.  Hoje eu tenho calma e nem me importo de perder a razão. Que não seja uma despedida. Que não seja um recomeço. Só me deixa ficar hoje...

terça-feira, 26 de abril de 2011



"Um dia o peito desenferruja e a gente abre a mão pro que há de vir. Não agora. Não entendo a urgência. Eu, por exemplo, não tenho pressa, desde que seja logo."

Gabito Nunes

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A gente aprende

       
           As coisas acontecem e a gente acaba aprendendo.  Aprende que estar com alguém há muito tempo não significa que vá ficar pra sempre. E que os fins sempre chegam, às vezes mais cedo, outras não... E que quando chegam nunca significam somente um fim. Sempre justificam novos começos.
        A gente aprende que as esporádicas borboletas no estômago e as faces rubras e febris são melhores do que o conforto do programa a dois em frente à TV no domingo à noite. Aprende que o tempo pode até não curar as piores feridas, mas oferece a conformação e a maturidade necessárias à cicatrização.
        Aprende que mesmo estando terrivelmente machucados de amor, com os cotovelos sob dores crônicas, amaremos de novo, nos magoaremos de novo. E os cotovelos? É bom cuidar deles... E aprende que as pessoas que estavam conosco ontem não vão estar no nosso armário pra sempre, elas também encontrarão outras pessoas em quem esquentar os pés.  
        A gente aprende que os amigos de hoje talvez não estejam conosco dez anos à frente. Aprende que por mais que sondemos os mistérios, sempre terá alguma coisa incompreensível. E que vários dos segredos guardados hoje serão motivo de muita risada no futuro.  Aprende que uma mentira contorna um problema, mas cria outro logo na frente.
        A gente aprende que nossos maiores defeitos podem se tornar  grandes qualidades. E que nem sempre é válido levar as coisas tão a sério. A gente aprende que o tempo melhora o nosso rosto nas fotografias e aprende a saborear os pequenos nadas da vida, ainda que não dê valor.
A gente aprende... No fundo a gente aprende.