domingo, 4 de setembro de 2011

Adrenalina



Talvez só fosse necessário um pouco de paz. Uma casinha, um cachorro correndo molhado por um jardim de flores amarelas, areia fina beijando os pés, um balanço, um vento... Ela passeando bonita com aquele vestido branco, o cabelo descendo pelos olhos. Ele entretido aguando girassóis. E eles dormiriam no embalo da rede, na tarde azul. E pregariam o amor, e viveriam o amor, e beberiam o amor todos os dias, até sempre. Sem mais, sem nós em gravatas, em sapatos, em anseios...
Saber pra que lado vai à vida, e sentir pelos dedos a alegria de acordar com um abraço e um café, quentes. Com apego, com saudade, com lugares ocupados, com planos falados no ouvido...
“Sei lá, tem sempre um pôr-do-sol pra ser visto”... 

sábado, 3 de setembro de 2011

Pessimismo




"Caí em meu patético período de desligamento. Muitas vezes, diante de seres humanos bons e maus igualmente, meus sentidos simplesmente se desligam, se cansam, eu desisto. Sou educado. Balanço a cabeça. Finjo entender, porque não quero magoar ninguém. Este é o único ponto fraco que tem me levado à maioria das encrencas. Tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual. Deixa pra lá. Meu cérebro se tranca. Eu escuto. Eu respondo. E eles são broncos demais para perceber que não estou mais ali...Gostava mais quando conseguia imaginar grandeza nos outros, mesmo que nem sempre houvesse."
Charles Bukowski

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Silêncio



"Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada."

       Essa passagem foi escrita pelo poeta russo Maiakovski, que cometeu suicídio após a revolução de Lenin. Escreveu ainda no século XX. Ridículo é que mesmo depois de um século nós ainda estamos tão desamparados, inertes e submetidos ao cumprimento da vontade de governantes moralmente carentes, que vampirizam o erário, ignoram as instituições e deixam a nós, CIDADÃOS, as migalhas e os restos pelos quais "deveríamos" nos interessar. Enquanto isso, podemos contentar-nos com o DIREITO de permanecer em silêncio, até porque a palavra, há muito se tornou inútil. "Por nos deixar respirar, por nos deixar existir... Deus lhe pague!"

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Metade



        Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca. Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.
        Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza. Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada mesmo que distante. Porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade.
        Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor. Apenas respeitadas. Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos Porque metade de mim é o que ouço mas a outra metade é o que calo.
        Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço. Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.
        Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância. Por que metade de mim é a lembrança do que fui. A outra metade eu não sei.
         Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito e que o teu silêncio me fale cada vez mais. Porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.

         Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba. E que ninguém a tente complicar, porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer. Porque metade de mim é platéia e a outra metade é canção.
         E que a minha loucura seja perdoada, porque metade de mim é amor. E a outra metade também.

Oswaldo Montenegro

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Resposta


         Segue com essa carta, uma caixa com tudo que ainda tinha de você em mim. Naquele dia em que você me deixou sozinho, redundantemente, com a minha própria companhia eu confesso que tive vontade de ir onde você estava, de te gritar tudo que me estava engasgado, de te falar do tanto que me incomodou sua calma ao refazer o rabo de cavalo do cabelo, pegar a bolsa e sair pra nunca mais. Segue o porta-retrato da sala, com a nossa foto naquele bar estranho, eu cheio de sentimentos, você, cheia de margaritas. Rasgue, queime, ou guarde esse sorriso em qualquer lugar que não seja a minha sala.
           Até peguei o carro e saí pra te falar o que você merece. Mas parei no meio da estrada esperando passar. Passar a chuva, passar o tempo, passar essa maldita vontade de você. Voltei pra casa pra ouvir seus discos. Imaginando em que lugar da cidade você estaria, será que ainda pensava em mim? Quais seriam as coisas e as cores pra te prender? Adormeci e levantei de um sonho ruim.
           Hoje depois de 120 dias do seu torpe abandono resolvi juntar suas coisas e colocar nessa caixa anexa à carta. Foi a sua chapinha que tava no meu banheiro e a sua camisa do Piu-Piu com a qual você regava minhas plantas nas manhãs de domingo. Foi sua agenda marrom, onde você escrevia versos, votos de amor e nomes feios, foram seus discos e o Neruda que eu te roubei e nunca li.
          Não vou lhe dar o prazer de me ver chorar, nem cabe a situação procurar em quem colocar a culpa por todo esse estrago. Leve tudo. Leve suas coisas, suas cores, suas dores. Leve minha saudade... Meu coração tem pressa e bate desvairado, vem vindo outro verão e agora ele vai partir, pra outro lugar.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pessoa na pessoa

"Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo."
123 anos de eternidade

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."


grande Pessoa

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Informante


- Cara, vi ela esses dias.
- Ela quem?
- Tua ex. Jantamos juntos eu e minha namorada, ela e o namorado dela. Aconteceria em questão de tempo, sabe como é.
- Sim, não tem grilo. Mas, me diz. Como ela tá?
- Tá bem, cara.
- Perguntou por mim? Que pergunta, óbvio que não. Mas me conta desse namorado dela. Como ele é?
- Ah, sei lá. Bacana.
- Bacana? Bacana tipo malandro ou bacana tipo engomadinho. Pô, começou o assunto agora termina! “Bacana” como, caralho?
- Ah, cara, não sei. Tipo legalzinho, meio coxinha. Sabe, de camisa pólo bonitinha, simpático, lustrado, inteligente. É analista de sistemas, tá encaminhado na vida, ganha bem, queria o quê?
- É engraçado? Faz umas piadas bem sacadas quando a mesa fica em silêncio? Ou sai com um papo interessante?
- Não. Só fala em algoritmos, sistemas híbridos, testabilidade, métodos ágeis, essas coisas. Foi tudo que entendi.
- E como são os dois juntos? Ela fica pendurada no pescoço dele, dando beijo toda hora e tentando espremer os cravos do nariz dele?
- Ele não tem cravos no nariz.
- E eles ficam implicando um com o outro toda hora, assim criando intriguinhas, ciuminhos e briguinhas só pra dar mais beijo?
- Não.
- Quando se olhavam. Parecia que um era a sobremesa do outro?
- Sei lá, meu. Nem se olhavam muito.
- E ele fica mimando o pezinho dela?
- Estávamos no meio do restaurante!
- Eu mimava o pezinho dela no meio do restaurante, embaixo da toalha. Lembra?
- É verdade. Aliás, nojento aquilo. Vocês pareciam dois animais no cio, sempre se arretando. Por que foi me lembrar?
- Ele fica insistindo pra ela comer as cenouras que ela separa no prato, dizendo que faz bem aos olhos?
- Não comemos cenoura. Mas ela separou tomate seco e ele não disse nada.
- Ela chama ele como?
- De “amor”.
- Tá, mas tipo “ô môôôôôrrr?” ou só “amor!”.
- Hum. Não, não. Mais seco. Tipo “ámôr”. Bem rápido, sem muita melação.
- Será que ela chora de saudade sempre que ele vai embora também?
- Que pergunta! Como vou saber isso? Acho que não, sei lá.
- Será que de vez em quando ela lembrava de mim olhando pra ti?
- Decerto.
- E tu acha que depois da janta eles foram até a colina de fusca pra ver as estrelas e dar uns amassos ouvindo o disco do Barry White?
- Claro que não! Ele tem um Wolkswagen bem moderno. E ele não tem cacife pra fazer ela andar de fusca azul, cara. Ninguém é como tu que leva mulher pra ver a lua ouvindo essas musiquinhas bregas.
- Pô, cara. Valeu. É, eu já sabia. Mas o importante é que mesmo assim ela tá feliz, né?
- É. Tá.
- Então tá bom.


Gabito Nunes

Bom conselho



        Ouça mais um bom conselho que eu lhe dou de graça, esqueça os meios, esqueça os finais. Evite a demora. Ligue quando prometer ligar, ou não prometa. Entenda a minha pressa e me deixe sozinha quando eu tiver um ataque de nervos. No fim das contas o que interessa é muito sutil, palpável e abstrato, ao mesmo tempo.  Não descubra os mistérios imediatamente. Não demore muito tempo pra descobrir. Roube beijos. Não deixe apodrecer o nosso fruto proibido.  Seja firme, sem deixar de ser leve. Me chame de sua menina. Apague a luz e me peça pra ficar.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Tabacaria

“Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada” e pra falar a verdade, mestre Pessoa, nem tenho em mim todos os sonhos do mundo. Acompanho as dores de outras pessoas, que já foram minhas outrora, e ainda sinto como se fosse. Na vida real é bem menos, menos lirismo, menos poesia... Na vida real o sol queima a grama verde e queima a nossa pele, também. Na vida real só se morre de amor nas novelas das oito. A tabacaria da frente ainda funciona e se responsabiliza pela morte dos que procuram uma ilusão pra substituir sua própria agonia. Então me deixe continuar a dar murros na faca cega da paixão já que o coração que sofre no final é sempre mesmo e a cara no espelho do banheiro sujo é ainda aquela que já quebrou tantas outras vezes.
Hoje estou vencido e a lucidez me corrompe diariamente. Se o erro de tudo foi falha minha, ou se o que me ensinaram não corresponde à realidade das metades vazias, sou incompetente para compreender. Então me deixe chorar de novo o mesmo problema e viver as migalhas do vento que passou beijando meu rosto, ontem.  Deixe eu ficar e ouvir a canção que não toca no rádio.
E me deixe aqui esperando o sol de amanhã, esperando o trem, esperando a morte, esperando a sorte. Me deixe esperar a fé. Mas no fim de tudo sabemos que a única coisa que existe é essa eterna espera. Enquanto eu fico respirando a fumaça cinzenta dos automóveis que passam pela rua, morrendo todos os dias como um grande mergulho em uma piscina de gelo.
Doem-me as costas e a consciência. Fogem-me os amigos e o sono. Mas tanto faz, são apenas observações de quem ofereceu o orgulho em sacrifício a uma causa que não valia à pena. “É assim, tudo que não gera felicidade, degenera, morre na impermanência. Nem pra sempre, nem nunca mais.”
Espero o dono da tabacaria da frente sair na porta e acenar pra mim, assim eu pararia de pensar tanta besteira e o acenaria de volta. “Sem ideal, nem esperança.”

sábado, 28 de maio de 2011

"Preciso e gosto de intensidade, mesmo que ela seja ilusória e se não for assim, prefiro que não seja. Não me apetece viver histórias medíocres, paixões não correspondidas e pessoas água com açúcar. Não sei brincar e ser café com leite. Só quero na minha vida gente que transpire adrenalina de alguma forma, que tenha coragem suficiente pra me dizer o que sente antes, durante e depois ou que invente boas estórias caso não possa vivê-las. Porque eu acho sempre muitas coisas - porque tenho uma mente fértil e delirante - e porque posso achar errado - e ter que me desculpar - e detesto pedir desculpas embora o faça sem dificuldade se me provarem que eu estraguei tudo achando o que não devia. Quero grandes histórias e estórias; quero o amor e o ódio; quero o mais, o demais ou o nada. Não me importa o que é de verdade ou o que é mentira, mas tem que me convencer, extrair o máximo do meu prazer e me fazer crêr que é para sempre quando eu digo convicto que "nada é para sempre."


Gabriel García Marquez

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A esperança morreu


        A esperança morreu junto com tudo o que convenientemente deveria morrer antes dela para que o ditado chulo se fizesse verdade. Nesse momento, sentar e pensar positivo é tão eficaz quanto assistir à programação de domingo pra resolver problemas de química. As vidas continuam mal vividas e as dores já estão espalhadas. Uma ansiedade corrói o peito inundando-o de angústia. A esperança morreu.
        E flutuam, pairando atônitos pelos ares vermelhos das cidades. E se queixam, sem propósito, da solidão que os acompanha intimamente, todas as horas do dia. Cantam-se os cantos tortos e os acasos todos estacionaram. Foram vendidos os sonhos. A esperança morreu.
        Os dias continuam estranhos, a poeira continua embaixo do tapete. E morreram o reconhecimento e os bons motivos.  Já devemos nos preocupar mais com o colesterol do que com os planos de melhorar o mundo. Já podemos maquiar nossos rostos e corações. A esperança morreu.
        Hoje as criancinhas ainda morrem de inanição em vários pontos do país. E o planeta grita as verdades inconvenientes que nossos filhos não mais verão.  E jovens adoecem diariamente ante a ferrugem dos sorrisos tortos, enquanto os dias ainda amanhecem sempre iguais.  O encanto morreu de desgosto em algum bar lânguido da cidade entre um comentário infeliz de uma pessoa que passa e mais uma garrafa de bebida.  As mentiras sinceras deixaram de ser interessantes e ainda morrem alguns na contramão, atrapalhando o tráfego.
        A esperança morreu e deixou as contas de água, luz e telefone. Morreu de desgosto, morreu de descaso.  As lembranças continuam no espelho, mas não dá mais pra sobreviver à hora da verdade. Hoje, nem a coragem, na falta de algo melhor. Então continuemos aumentando como insetos em busca de uma lâmpada quente. A esperança morreu.
        Deixo pra amanhã os planos pra mudar o mundo. Deixo pra amanhã a preocupação com a reprodução das baleias brancas em extinção. Deixo pra quem quiser, as desculpas pra inventar. Hoje a luz não ilumina as mini certezas. Cantemos a nossa desgraça nos quatro cantos da cidade, o resto fica pra amanhã porque, hoje, a esperança morreu.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Por hoje


       Hoje ela acordou e não sentiu a preguiça características de todas as manhãs apesar das normais poucas horas de sono que se tinham sido cumpridas sem rigor. E acordou serena. Hoje ela não se importou com os escândalos políticos da televisão e sorriu com a propaganda do refrigerante estrangeiro.
        Hoje ela não organizou o tempo e, no entanto, percebeu que tinha tempo pra tudo. Então, hoje ela leu o livro velho que havia sido encostado, em virtude dos afazeres mais importantes, e a esperava abandonado naquele mesmo lugar.  E não se preocupou com a ligação que não fez, com a satisfação que não deu. Olhou fotos antigas, riu delas.
        Hoje ela sentiu o sol e trocou a posição dos móveis. Escreveu cartas que nunca serão enviadas, mas ela espera respostas, mesmo assim.  Hoje ela aprendeu uma palavra diferente e ficou pensando em que circunstância usar. E programou uma viagem, e desprogramou em seguida. Lembrou dos amigos distantes que ainda estão lá e lembrou o cheiro bom da sua casa de infância. Hoje ela não pensou nos seus erros e nas suas falhas e, não se puniu por isso.
        Hoje ela parou pra perceber a fugacidade do tempo e a efemeridade das coisas e se sentiu pequena diante de tudo. Hoje ela recebeu um elogio e se sentiu bonita. Hoje ela fez a mesma rotina de todos os outros e porque prestava atenção nas pequenas coisas foi diferente de sempre. Porque hoje ela usou da felicidade como um estado de espírito e não como um status permanente. Se era feliz? Sim, hoje era.

domingo, 15 de maio de 2011

Não era amor

         Não, aquilo não era amor.  Era um abraço quente em uma tarde fria, era uma boa música no som do carro, era uma saudade gostosa diante de uma viagem inesperada, era a morte premeditada da saudade no fim de semana próximo, era um sorvete de bombom, era um convite pra jantar. Não era amor...
       
         Era andar enlaçado pela cintura, era uma ligação de madrugada, era a briga no começo da noite, era a reconciliação no final. Era o filme da tarde, era uma mensagem boba, era mais um mês terminado, outro começado, era a censura do vestido curto, era um beijo roubado. Não era amor...
        Eram dois celulares desligados, era fervura, era a primeira, era a última, eram as fotos, eram os fatos, era a despedida, eram as cócegas, era o inabalável, era o elogio, era a espera, era o encontro, era a dúvida, era a necessidade, era o cotidiano, era o projeto da casa, era o acaso, era o propósito. Mas amor... Amor não era.
        Era a fuga, era um ciúme torto, era uma risada gostosa, era um segredo no ouvido, era a memória, era um esforço pra esquecer, era a vontade de lembrar, era o fim, era o começo, era a promessa, era um ensaio, era o desgasto, era a espera, era a distância, era mais um, era a idéia. Não... Amor, não.
        Era o descanso, era surpresa, era o desejo, era nada, era falta, era romance, era cinema, era o talvez, era o querer, era ternura, era pele, era colo, era mistério, era o mundo inteiro, era tragédia, era fingimento, era realidade, era adeus, era verdade, era brigadeiro de panela, era a dor, era o bem. Não era amor...
Era melhor.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Só pra discordar


          Você diz que é insegurança e eu discordo completamente. Mas discordo só pra não concordar, no fundo eu também sei que é sim uma insegurança por não ter previsão. Logo eu, que era acostumada a caminhar olhando o terreno longe, sabendo onde ia chegar. Eu que conheço e mapeio tudo, eu que faço planos pra fazer planos não consegui conter a verdadeira insegurança de não saber.
         Todas as novidades são bonitas e superiormente interessantes. Não foi diferente com você. Mas as novidades geralmente não trazem um manual de instruções e me assusta ter que passar por elas de olhos fechados. Você é uma confusão que liquidifica toda e qualquer idéia em processo de formação. Você fica quando eu espero que vá e beija a minha testa quando eu espero te ver com raiva. E faz planos pra daqui a pouco, mas o momento de agora grita, então, você prefere entrar de cara. Eu fico atônita, mas seguro a sua mão e vou com você.
         Você pergunta se eu to gostando tanto assim e eu discordo só pra não concordar. Você sabe. E me abraça quando eu sinto frio. Você é uma contradição e, eu não sei se tô nessa por teimosia ou ainda levito na sua leveza e brevidade de tratar as coisas como se elas fossem realmente simples. E ri quando eu discordo disso, mas dessa vez eu discordo mesmo.
         Então você fica e nessa altura eu prefiro que fique mesmo. E que fique assim, desse seu jeito sem regras, sem métodos, sem planos, sem data... Hoje eu só quero que fique.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Um amor pra dois

     
         Garçom, por favor, um amor pra dois. Quente e expresso. Saindo agora, novinho. Um amor com direito a mãos dadas, beijo no nariz, cena de ciúme, espera no portão. Um amor sereno, que caiba no sofá da sala e no filme com chocolate. Um amor pra chuva. Um amor pra curtir o frio. Um amor cotidiano e intravenoso, sem tédio, sem jeito...Um amor manso, das tardes de domingo. Um amor agitado pras noites de sábado. Um amor de massagem em pezinhos pequenos, de discussões em horas vazias, de reconciliações nos momentos cheios. Um amor sem tempo, sem fronteira. Um amor pras segundas-feiras. Um amor sem silêncio, de pensamento.
Garçom, mas vê se traz logo, pra não passar do ponto...

domingo, 1 de maio de 2011

Pra ela



Minha favorita,
        Você foi de forma tão prematura e me deixou com tanta saudade que às vezes chega a parecer dor. Não é. Você é tão viva aqui dentro e, hoje, muito mais presente que em qualquer outra situação. Hoje eu levanto a cabeça e olho fixo a linha do horizonte. Tranquilamente. Penso nos nossos sonhos, nos nossos planos com a certeza de que eles serão realizados. Agora você me olha e eu te sinto.  Às vezes me dizem que você está em outro e melhor lugar. Eu prefiro pensar que se eu sou capaz de ter você tão forte no peito, esse lugar é aqui.
        “Não sei por que você se foi. Tantas saudades eu senti. E de tristeza vou viver, e aquele adeus, não pude dar. Você marcou na minha vida, viveu, morreu na minha história. Chego a ter medo do futuro e da solidão que em minha porta bate. E eu gostava tanto de você...”

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Então vai

        Confesso que quando você me olhou com esses malditos olhos verdes pra dizer que tava me deixando eu pensei em tudo.  Mas fazer o que? Você quis ir... E você sorria. Precisava ir assim, como se não tivesse fazendo nada? Como se eu não tivesse me desmanchando? Você abortou prematuramente a parte sua que vivia em mim, e eu fiquei aqui, no escuro e asfixiado. Mas foi você quem quis ir.
         Agora pára de tocar minha campainha, foi você quem quis ir. Eu gosto dos seus olhos verdes e posso até fazer um blues pra eles amanhã, mas hoje eu não quero que fiquem aqui pedindo esmola na minha porta. Então vai, entra logo e pega a sacola que você diz que esqueceu, mas não demora pra sair. Foi você quem quis ir.
        Não deixa o cara lá embaixo buzinar outra vez, ele te espera cheio de esperanças, como eu esperava há um tempo.  Agora vai e faça-lhe as mesmas promessas. Ele também está deslumbrado com a perfeição dos seus olhos. Vai que o que você tem pra me oferecer é muito pequeno.
        Baby eu já vi esse filme, agora arruma a fivelinha que livra teus olhos verdes da franja morena e vai que eu tenho pressa. Vai, que foi você quem quis ir.

Valsa


        Ela pegou o primeiro bonde depois das cinco da tarde. E vinha tranqüila como em qualquer outro dia. Quando ele entrou no mesmo bonde. Quem era? Não conhecia. Era bonito. Melhor, era bonito e a olhava. Olhava-a de uma maneira sutil que a deixava sem jeito. Ela tentava se esconder atrás da franja dourada. Talvez fosse impressão... Não era.
        Era ela o foco do zoom daquele olhar bonito. Era ela e a sua insegurança o que havia de mais superior e interessante naquela hora. Era ela. Riu timidamente e foi terrivelmente traída pelo rubor febril das faces que denunciavam seu estado de vergonha e êxtase. Agora ela já não pensava nos problemas, planos ou em qualquer outra coisa que subira no bonde com ela. Fez-se desarmada.
        Era incrível como aquilo a possuía de uma maneira completa. Como ela parecia ter perdido os sentidos. Ele continuava olhando. Ela gostava daquilo. Pensou em falar com ele, perguntar-lhe  o nome. Não o fez.
        Passaram alguns minutos e ele desceu duas paradas à frente.  Ela continuava em deslumbre e nem percebera que muito provavelmente não mais o veria. Não importava. Desceu na sua parada e a noite seguiu em paz.

Posso ficar hoje?

       
        Eu te deixei passar, mas agora eu to aqui pra passar um pouquinho contigo. Será que eu posso ficar e dar minha opinião sobre as cortinas novas? Posso abrir a janela pra entrar alguma luz? Se você quiser, eu posso cozinhar aquele macarrão que você gosta, enquanto você me fala como foi a semana. Ou não diz, você quem sabe. Eu só quero ficar um pouco.
        Eu posso te indicar um livro, você pode me mostrar uma música. Você promete que desfaz essa cara de medo se eu parar de te olhar com a minha de boba? Você tenta se desarmar e relaxar se eu te contar a versão nova de uma velha história?
        Eu não vou prometer nada, não explica nada. Só me deixa ficar aqui. Eu não sei de amanhã e, certamente, nem vou estar mais por aqui, mas hoje eu vou vestir sua velha camisa dos Beatles que até já tem o cheiro do meu corpo e vou espalhar esse cheiro por toda a sua sala.
        Hoje eu acredito em tudo que você me disser. Hoje eu não vou ligar se você quase me machucar com a barba mal feita.  Hoje eu tenho calma e nem me importo de perder a razão. Que não seja uma despedida. Que não seja um recomeço. Só me deixa ficar hoje...

terça-feira, 26 de abril de 2011



"Um dia o peito desenferruja e a gente abre a mão pro que há de vir. Não agora. Não entendo a urgência. Eu, por exemplo, não tenho pressa, desde que seja logo."

Gabito Nunes

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A gente aprende

       
           As coisas acontecem e a gente acaba aprendendo.  Aprende que estar com alguém há muito tempo não significa que vá ficar pra sempre. E que os fins sempre chegam, às vezes mais cedo, outras não... E que quando chegam nunca significam somente um fim. Sempre justificam novos começos.
        A gente aprende que as esporádicas borboletas no estômago e as faces rubras e febris são melhores do que o conforto do programa a dois em frente à TV no domingo à noite. Aprende que o tempo pode até não curar as piores feridas, mas oferece a conformação e a maturidade necessárias à cicatrização.
        Aprende que mesmo estando terrivelmente machucados de amor, com os cotovelos sob dores crônicas, amaremos de novo, nos magoaremos de novo. E os cotovelos? É bom cuidar deles... E aprende que as pessoas que estavam conosco ontem não vão estar no nosso armário pra sempre, elas também encontrarão outras pessoas em quem esquentar os pés.  
        A gente aprende que os amigos de hoje talvez não estejam conosco dez anos à frente. Aprende que por mais que sondemos os mistérios, sempre terá alguma coisa incompreensível. E que vários dos segredos guardados hoje serão motivo de muita risada no futuro.  Aprende que uma mentira contorna um problema, mas cria outro logo na frente.
        A gente aprende que nossos maiores defeitos podem se tornar  grandes qualidades. E que nem sempre é válido levar as coisas tão a sério. A gente aprende que o tempo melhora o nosso rosto nas fotografias e aprende a saborear os pequenos nadas da vida, ainda que não dê valor.
A gente aprende... No fundo a gente aprende.