Segue com essa carta, uma caixa com tudo que ainda tinha de você em mim. Naquele dia em que você me deixou sozinho, redundantemente, com a minha própria companhia eu confesso que tive vontade de ir onde você estava, de te gritar tudo que me estava engasgado, de te falar do tanto que me incomodou sua calma ao refazer o rabo de cavalo do cabelo, pegar a bolsa e sair pra nunca mais. Segue o porta-retrato da sala, com a nossa foto naquele bar estranho, eu cheio de sentimentos, você, cheia de margaritas. Rasgue, queime, ou guarde esse sorriso em qualquer lugar que não seja a minha sala.
Até peguei o carro e saí pra te falar o que você merece. Mas parei no meio da estrada esperando passar. Passar a chuva, passar o tempo, passar essa maldita vontade de você. Voltei pra casa pra ouvir seus discos. Imaginando em que lugar da cidade você estaria, será que ainda pensava em mim? Quais seriam as coisas e as cores pra te prender? Adormeci e levantei de um sonho ruim.
Hoje depois de 120 dias do seu torpe abandono resolvi juntar suas coisas e colocar nessa caixa anexa à carta. Foi a sua chapinha que tava no meu banheiro e a sua camisa do Piu-Piu com a qual você regava minhas plantas nas manhãs de domingo. Foi sua agenda marrom, onde você escrevia versos, votos de amor e nomes feios, foram seus discos e o Neruda que eu te roubei e nunca li.
Não vou lhe dar o prazer de me ver chorar, nem cabe a situação procurar em quem colocar a culpa por todo esse estrago. Leve tudo. Leve suas coisas, suas cores, suas dores. Leve minha saudade... Meu coração tem pressa e bate desvairado, vem vindo outro verão e agora ele vai partir, pra outro lugar.